L’Ape musicale

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“Por isso a música é a mais sagrada dentre as artes!”

de Fabiana Crepaldi

“Ariadne auf Naxos” encerra, em grande estilo, a temporada de óperas do Theatro São Pedro.

Na quarta-feira 23 de novembro, estreou o último título da temporada de óperas 2022 do Theatro São Pedro, em São Paulo: Ariadne auf Naxos, da grande dupla Richard Strauss e Hugo von Hofmannsthal. A última vez que a ópera esteve em cartaz na cidade foi no Theatro Municipal, em 2008. Ariadne auf Naxos pode ter um viés cômico, mas colocá-la no palco não é brincadeira. E o São Pedro conseguiu, pelo menos na noite de sexta-feira, 25 de novembro, e na tarde de domingo, 27 (que contou com transmissão pelo YouTube), superar as expectativas mais otimistas.

A versão apresentada pelo São Pedro foi a segunda e definitiva da obra, a que estreou 1916, em Viena. Na primeira versão (1912), a primeira parte era uma adaptação de Hofmannsthal para Le Bourgeois Gentilhomme, de Molière, com a música incidental de Strauss, e o ballet das nações substituído por uma ópera de um ato – a Ariadne, claro! Durante a primeira peça, M. Jourdain (o burguês) determinava que a ópera trágica e o espetáculo de commedia dell’arte (A infiel Zerbinetta com seus quatro amantes) fossem representados simultaneamente. Para a nova produção da ópera, em 1916, a peça de Molière foi substituída por um prólogo. No princípio, Strauss não havia gostado muito da figura do Komponist, o jovem compositor, supostamente um tenor. Não o atraía, não o inspirava. Até que surgiu para Strauss a ideia de utilizar uma cantora nos moldes de Octavian, do Der Rosenkavalier (soprano ou mezzosoprano en travesti). Strauss, amante assumido da voz feminina, se entusiasmou na hora – segundo ele, geralmente eram essas as cantoras mais inteligentes de uma companhia de ópera; Hofmannsthal, por sua vez, talvez com uma pitada de misoginia, torceu o nariz, achou que o compositor perdia a dignidade, mas acabou concordando.

Prólogo

O prólogo contém a chave para a compreensão da ópera: trata de vários assuntos, mas o principal deles – não só no prólogo, mas também na ópera – é a resistência a mudanças. Também a fidelidade: o que é ser fiel? Quais os limites da fidelidade? Persiste, no prólogo, o olhar irônico sobre a inculta burguesia, presente na obra de Molière, e é explorada a oposição entre a ópera buffa e a tragédia lírica, que tem em Ariadne um tema emblemático. Essa oposição, aliás, Strauss viria a revisitar anos depois, em Capriccio, sua última ópera.

Antes da estreia da primeira versão, antes do surgimento do prólogo, Strauss pediu explicações a Hofmannsthal sobre o significado da transformação sofrida por Ariadne nos braços de Baco – afinal de contas, sem o prólogo, a ideia por trás da ópera fica bastante obscura. O libretista respondeu com uma famosa carta, na qual afirmou (em tradução livre): “A transformação é a vida da própria vida, o mistério real da Natureza como força criativa. A permanência é entorpecimento e morte. Quem deseja viver tem que se superar a si mesmo, se transformar a si mesmo: ele tem que esquecer. E, no entanto, todo o mérito humano está ligado à permanência, à memória, à constância. Esse é um dos profundos paradoxos fundamentais sobre os quais a existência é construída (…)”.

No prólogo, temos a burguesia debochando da obra de arte, tratando-a como uma mercadoria e um meio para ostentar, mas também fica claro que o compositor precisa do dinheiro que lhe será pago pelo burguês para sobreviver. Ele é, pois, refém das vontades dos mecenas, precisa saber se adaptar. Além disso, o compositor tem duas opções: ou faz as alterações e os cortes necessários, ou, se quiser tudo do seu jeito, deixa a sua obra na gaveta.

 

Nesse sentido, foram muito felizes a direção cênica de Pablo Maritano e a atuação da sempre excelente mezzosoprano Luisa Francesconi, que viveu o Compositor: durante praticamente todo o prólogo, ligeiramente curvado (com naturalidade, sem exagero, com uma postura corporal muito bem construída) como um estudante de graduação daqueles que passam o dia estudando, o Compositor fica segurando firme a sua partitura, a sua obra, muitas vezes a abraçando, para soltá-la apenas durante o seu (belo) dueto com Zerbinetta, quando o amor opera a mudança. Depois disso, espalha as folhas pelo chão, destaca páginas, deixa de ter uma posição hermética, protetora. Mesmo ao sair, no fim do prólogo, quando sofre uma recaída e se arrepende de ter permitido a execução da sua preciosa tragédia simultaneamente a uma vulgar comédia, ele joga as folhas para cima, dando-lhes liberdade, vida, mobilidade: a mudança já havia sido operada, o retorno não era mais possível.

Há outra coisa a se considerar: a obra composta pelo jovem compositor era Ariadne auf Naxos. Pois bem, desde Monteverdi os compositores compõem as suas Ariadnes, foi com ela que teve origem o primeiro grande lamento da história da ópera. O “nosso” Compositor, portanto, havia escolhido o tema mais batido possível para uma ópera trágica. Da forma como havia sido concebida, a sua obra estava destinada a ser apenas mais uma, a nascer e morrer na mesma noite – não à toa, no São Pedro, a prima donna, que estava se preparando para cantar a Ariadne, entrou segurando uma máscara de inalação. A ordem do rico mecenas colocou o Compositor diante de uma situação adversa que o forçou a ser criativo, a inovar, e não apenas a reproduzir o que tantos fizeram ao longo dos séculos. E isso é muito comum na história da arte: a música popular brasileira dos anos 1960/70 é um rico exemplo de como uma situação terrivelmente adversa, como a ditadura, com todas as ameaças a ela inerentes e com a censura, pode ter um efeito estimulante para a criatividade de talentosos compositores.

Com o belo cenário de Desirée Bastos, a sala do homem mais rico de Viena é moderna. Um moderno claro, com pouca decoração, iluminado, com janelas e lustres esféricos pendentes, uma porta de cada lado e uma terceira ao fundo, intensa circulação, e, nas paredes laterais, quadros pertencentes à pop art. Os serviçais da residência carregam iPads – inclusive o antipático mordomo (interpretado com excelência por Luiz Päetow), que se sente tão poderoso quanto o seu amo, sem se dar conta da precariedade do seu poder. O figurino contrasta a figura rígida do Compositor, de preto da cabeça aos pés, com o branco do mordomo e o colorido descontraído, pop, da trupe de comediantes.

Compositor, Ariadne e Zerbinetta (não por acaso, três vozes femininas) formam o trio de intérpretes principais. No prólogo, o Compositor domina, é o seu estado emocional que dita a música e a sua linha vocal – o primeiro tema tocado pela orquestra é o dele (de modo semelhante ao que aconteceu com Octavian, seu antecessor, em Der Rosenkavalier); na ópera, ele some e as duas outras cantoras tornam-se protagonistas. Das três, o Compositor é o personagem mais inovador e que estabelece uma maior relação de empatia com o público, pois o seu drama é real – Ariadne (na ópera) é mais distante, quase um arquétipo da mulher abandonada, e Zerbinetta tem uma vida interior, mas não tem um grande drama que perpasse a obra.

Através de uma interpretação sensível e inteligente, Luisa Francesconi foi especialmente bem-sucedida ao criar essa empatia. Sua linha cheia de saltos, altos e baixos, mudanças bruscas (à imagem do Compositor) é incrivelmente difícil e, como ocorreu com o seu personagem, também a cantora teve que lidar com uma situação adversa: às vésperas de subir ao palco, contraiu Covid. Como não havia doppione (o que joga um peso imenso nas costas dos cantores), a estreia, originalmente prevista para a sexta-feira, dia 18 de novembro, foi adiada para a quarta-feira, dia 23.

Na sexta-feira (25), dia em que o prólogo foi interpretado de forma especialmente inspirada por todo o elenco, Francesconi brindou o público com expressividade e agudos magníficos; no domingo (27), seus pianos, que já estavam limpos e seguros, foram o destaque. Já mencionei que o personagem foi muito bem construído cenicamente, e o mesmo vale para a parte vocal, mesmo com ela ainda se recuperando da covid. Retratando o jovem compositor, adolescente, em cima da hora da estreia da sua ópera e tendo que encarar uma mudança, o papel tem momentos de doçura, de sonho, de genuíno amor, de paixão e de ira, que ela soube marcar muito bem em seu canto, adaptando, inclusive, a cor da voz à situação. Logo após um ataque de ira ao ficar sabendo que a sua ópera ganharia “um divertido epílogo”, o Compositor passa a improvisar, com doçura, de forma sonhadora, uma bela melodia que havia criado. Ao improvisar o texto da melodia, o Compositor fala de si mesmo: “Oh, meu pobre coração / E todas as suas aspirações! Oh menino, oh deus onipotente”. Francesconi soube contrastar lindamente a ira, com seus saltos, seus fortíssimos, sua coloração mais metálica, com o lirismo dessa melodia introspectiva, que contou com rico legato e belos pianos.

Em muitos momentos, o Compositor se diz desconectado do mundo. “Não tenho nada em comum com este mundo!”, afirma. Como não lembrar de Gustav Mahler, que, na década anterior, ao musicar Ich bin der Welt abhanden gekommen (Estou perdido para o Mundo), com texto do poeta Friedrich Rückert, teria exclamado “Esse sou eu!”? E como Mahler, o Compositor encontra, em Zerbinetta, a sua “Alma”.

Para iniciar o belo dueto entre Zerbinetta e o Compositor, muitíssimo bem interpretado, com poesia e lirismo, por Francesconi e pela soprano Carla Domingues, Maritano teve uma boa ideia, um “momento Turandot”: como no final da ópera de Puccini, Zerbinetta beija o Compositor, o que produz nele um encantamento imediato e o desarma, de modo que ele consegue entender que ambos pertencem ao mesmo mundo, e que Zerbinetta também tem uma vida interior.

Compositor ou Compositora?

São bem definidas as características musicais de cada personagem: enquanto o Compositor está associado a um tema mais impulsivo, mais ardente, Zerbinetta aparece sempre de forma mais leve, alegre. Sempre não, quase sempre: durante o dueto, a sua linha se torna lírica, é o seu momento de lirismo na ópera, ao qual Domingues respondeu muito bem. Como escreveu Ernest Krause, “nessa cena de amor, que é a mais breve e florescente que Strauss escreveu, que ‘contém suas melhores ideias’, ele atira uma nota do encantadoramente puro sentimento de Zerbinetta. Ela não é a borboleta infiel da ópera. Ela aparece (…) digna da devoção ao verdadeiro amor”.

Na concepção de Maritano, o Compositor não é um jovem adolescente, mas uma jovem, uma compositora. Isso introduz questões interessantes, sem alterar a essência do personagem, uma vez que a interpretação de Francesconi manteve os gestos, a postura andrógina característica desse tipo de papel travestido: ela fez uma compositora, mulher, mas com traços de masculinidade. Tratou-se, pois, de uma jovem que estava descobrindo o seu mundo artístico e a sua sexualidade, que estava diante de várias possibilidades de mudança, de transformação.

Após ser encantado(a) por Zerbinetta, ainda em estado de êxtase, o(a) Compositor(a) tem o seu grande momento de apoteose, que é o clímax do prólogo, o momento de maior inspiração: Seien wir wieder gut!, quando diz ao professor que podem ser amigos novamente, pois vê tudo com novos olhos. “A música é a sagrada arte de reunir todos os espíritos, como o querubim junto ao trono radioso! Por isso a música é a mais sagrada dentre as artes!”, declara – e, no São Pedro, com peito aberto, solto, sem estar agarrado(a) à obra protegida. De forma lindamente expressiva (sobretudo no dia 25!), Luisa Francesconi deixou ao público essa verdadeira profissão de fé. Como escreveu William Mann em livro sobre as óperas de Strauss, “Como desejaríamos que o prólogo terminasse aqui. Contudo, o objetivo dos autores era demonstrar que os altos e baixos ocorrem na vida criativa do artista (…)”.

Também eu ainda não posso terminar o prólogo: preciso falar das ótimas atuações cênica e musical de Marcelo Ferreira (mestre de música) e de Giovanni Tristacci (mestre de dança). Especialmente na sexta-feira, a voz de Tristacci brilhou como raramente se vê hoje em dia nos tenores. Completaram o belo elenco do prólogo Vinicius Cestari (oficial), Fulvio Souza (lacaio) e Robert William (peruqueiro).

Agora sim, vamos à ópera! E, como o meu prólogo foi demasiado longo, também eu terei que fazer cortes na ópera! Preciso confessar que o prólogo é a minha parte favorita?

Ópera

Se o prólogo saiu mais inspirado, mais preciso, no dia 25, a ópera cresceu muito no dia 27 – é essa magia que só a música ao vivo é capaz de produzir: cada dia é um espetáculo diferente, com as suas particularidades, com os seus encantos!

O cenário da ópera é bastante interessante, não nos deixa esquecer que se trata de uma ópera encenada na casa de um homem rico, como parte de um evento, e que há uma artificialidade na trama que será apresentada (já que é uma ópera dentro da ópera). Por isso, acontece em volta da piscina. Só que essa piscina também evoca a água da ilha de Naxos, e a gruta de Ariadne está na parte de trás. Se por um lado o cenário é muito bem pensado, não está isento de problemas de ordem prática: os cantores têm que subir e descer uma escada o tempo todo e andar por uma borda instável em volta de um buraco (a piscina). Confesso que ver isso, sobretudo as duas cantoras cantando e se movimentando de costas para o buraco, me deixou um tanto preocupada. Depois de uma récita, questionei uma pessoa do elenco que me deu uma resposta não muito tranquilizadora: “Por enquanto deu tudo certo…”

Ariadne é, na ópera, a personagem criada à imagem e semelhança do Compositor (sua tessitura, inclusive, é praticamente a mesma, é comum uma cantora interpretar um ou outro papel em temporadas distintas, como fez Christa Ludwig). Também Ariadne estava com figurino escuro – um azul bem escuro. Contrastando com os tons azuis, frios, das personagens mitológicas da tragédia lírica, as figuras satíricas eram exageradas, algumas vezes parecendo a encarnação de quadros de pop art, de imagens de propaganda, de consumismo, fast food, ou de astros dos anos 80. Aliás, foram ótimas a direção cênica e a atuação dos quatro amantes de Zerbinetta: Giovanni Tristacci (Scaramuccio), Igor Vieira (Arlequim), Marcelo Ferreira (Truffaldino) e Gilberto Chaves (Brighella). O público se divertiu.

A iluminação de Aline Santini, que no prólogo se manteve constante (afinal de contas, era uma sala), na ópera foi se modificando ao sabor da trama e da música, não deixando que a monotonia visual se instalasse. Quando Ariadne começou o seu lamento, a luz branca se apagou, restou somente a azul, mas a branca foi voltando aos poucos com o nascer do dia. Quando a trupe de commedia dell’arte entrou, o fundo ficou iluminado em rosa. Durante a ária de Zerbinetta, o fundo ganhou a cor alaranjada do seu simpático figurino.

A Ariadne de Eiko Senda foi um dos pontos altos, sobretudo na tarde do dia 27. Nem sempre os agudos lhe vêm com facilidade, mas isso não importa, é uma grande intérprete, seu fraseado é requintado, sua voz é penetrante, é uma Ariadne profunda. Mesmo quando está no palco sem estar cantando, sua Ariadne não se desmonta.

Ariadne é acompanhada por três ninfas (que têm bastante em comum com as guardiãs do ouro do Reno, no Das Rheingold, de Wagner): Eco, Náiade e Dríade, interpretadas, respectivamente, pelas sopranos Cintia Cunha e Tati Reis e pela mezzosoprano Fernanda Magashima, que, dentre as três, merece destaque. Como conjunto, funcionaram bem, harmoniosamente timbradas e com boa movimentação de palco.

Ariadne não vê a possibilidade de mudança e, portanto, só vê a morte como saída (“A permanência é entorpecimento e morte”, disse Hofmannsthal). Quem se contrapõe a ela é Zerbinetta: aponta outro caminho, seu discurso vai na linha do de Despina em Così Fan Tutte, de Mozart, e do de Melanto em Il Ritorno d’Ulisse in Patria, de Monteverdi, só que de forma mais polida, mais doce.

A soprano Carla Domingues foi uma Zerbinetta cativante, com ótima desenvoltura cênica e com todas as coloraturas e a precisão que o papel demanda. Sua voz não é grande, sobretudo nos médios – característica, aliás, de grande parte das sopranos coloratura –, mas foi bem adequada às dimensões do São Pedro e à orquestração de Strauss; e sua Zerbinetta seduziu o público. Cantando com interesse, atuando sem parar, conseguiu prender a atenção durante a sua radiante (e longa) ária, Grossmächtige Prinzessin, o que lhe rendeu longos e justos aplausos. Nesse ponto, foi especialmente feliz a direção de Maritano, com sua cena bem humorada.

Como um deus ex machina, chega Baco, um forasteiro, para resgatar Ariadne. O longo dueto entre Ariadne e Baco é quase que um contraponto ao segundo ato de Tristão e Isolda, onde o amor é impossível, onde se fala em morte. Ariadne e Baco também falam em morte, Ariadne, como explicou o Compositor no prólogo, toma-o pelo deus da morte, mas ele fala em vida: “Tu não morrerás em meus braços!” e “Ouve, apenas agora começa a vida, / Para ti e para mim!”. Em Strauss, ao contrário do que acontece em Wagner, o amor é possível, a mulher não é causa de destruição, a culpada da queda ou da partida do herói, e ela tem direito a viver com um novo amor, mesmo quando abandonada pelo “único” amor possível. Strauss e Hofmannsthal permitem que uma ópera termine com a sua heroína trágica não apenas viva, mas ouvindo: “Tu és tudo aquilo de que preciso! / Não sou mais aquele que fui. / Tuas dores fizeram-me rico. / Meu corpo se move com divina alegria! / Que morram as eternas estrelas! / Tu não morrerás em meus braços!”

A exigente linha de Baco requer um tenor dramático, que tenha peso nos médios, mas também segurança nos agudos. Eric Herrero cumpriu muito bem todas as exigências desse curto, mas importante, papel. Strauss não era um compositor que privilegiava o tenor, mas esse final, esse dueto, é de grande impacto, de grande beleza, e poderia se perder sem um Baco à altura. Felizmente, nesses tempos de escassez de bons tenores em todos os teatros do mundo, o São Pedro conseguiu nos oferecer um ótimo Baco.

A teatralidade dessa última cena também foi especialmente inspirada, com Baco chegando como uma grande sombra, por trás da cortina, e, no final, luzes em nossa direção, nos iluminando, nos ofuscando – em um efeito que a mesma equipe utilizou no Rosenkavalier, no Theatro Municipal. Nada mais justo, pois esse dueto tem muitos momentos melódicos que fazem lembrar a obra anterior de Strauss.

Quando os últimos acordes estão soando, o elenco da ópera dentro da ópera aparece com as vestes utilizadas no prólogo, e o mordomo toma o centro da cena. Maritano, assim, nos lembra mais uma vez da artificialidade da ópera: era tudo uma representação.

Quem entrou no teatro pensando em encontrar uma típica orquestra romântica, com aquela sonoridade derramada, como em obras anteriores de Strauss ou em Wagner, se enganou. Embora haja citações de Wagner, sobretudo na ópera (e, principalmente, Tristan und Isolde), e autocitações, a sonoridade não é wagneriana. Strauss era, acima de tudo, um mozartiano, e, em Ariadne auf Naxos, ele flertou seriamente com o neoclassicismo e utilizou uma orquestra pequena (37 músicos, tamanho ideal para o fosso do São Pedro), com uma formação que conta com uma quantidade de instrumentos de percussão proporcionalmente grande, piano, celesta e harmônio. A música flui como um belo mosaico formado por temas, por solos individuais, ou por pequenos grupos de instrumentos. Sobretudo no prólogo, em alguns momentos ela chega a comentar a ação. Cada personagem tem a sua instrumentação própria, seu tema, seu estilo. Isso fica muito claro durante o prólogo, quando estão discutindo como atuar em conjunto, simultaneamente, e Zerbinetta, para desespero do Compositor, expõe a sua visão da trama de Ariadne. Strauss faz algo genial: enquanto o acompanhamento do Compositor é solenemente orquestrado, Zerbinetta é acompanhada por um piano (doméstico, de cabaré).

Foi excelente o trabalho desenvolvido pelo maestro alemão Felix Krieger à frente da Orquestra do Theatro São Pedro. Sob a sua regência, a música fluiu com a delicadeza típica dessa obra, com precisão, com nitidez. Todos os solos (sempre muito bem executados) foram ouvidos, os contrastes instrumentais e melódicos, criados por Strauss entre a trupe de Zerbinetta e o Compositor ou os cantores trágicos, ficaram muito bem marcados. Atento aos cantores, nenhum deles foi encoberto, e o andamento foi fluente. Foi possível sentir um amadurecimento da orquestra de sexta para domingo, uma coesão maior que gerou um efeito poético.

É muito importante, não só para a orquestra, mas também para o público paulistano, que o São Pedro traga maestros convidados do calibre de Felix Krieger: é a nossa única oportunidade, sem tomar avião, de ter contato com a leitura de distintos maestros. No Theatro Municipal, a última vez que um maestro convidado dirigiu uma ópera foi em julho de 2016 (o russo Vladimir Ponkin, em Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk), último ano da gestão do maestro John Neschling. Krieger já havia vindo depois disso, em 2019, para dirigir La Clemenza di Tito, de Mozart (no São Pedro, claro). Que volte sempre!

Uma última observação é que na tarde de domingo, além de um ótimo espetáculo, pudemos ver uma verdadeira inclusão de pessoas portadoras de necessidade especiais. De um lado, estavam deficientes visuais ouvindo a audiodescrição; de outro, deficientes auditivos, que, além de ver a ópera e ler as legendas, ainda conseguiam ver uma descrição em libras. Cantores contaram que, após o espetáculo, alguns deficientes auditivos foram abordá-los dizendo que estavam emocionados, que haviam conseguido sentir no corpo as vibrações da música, do canto. Conseguir fazer com que surdos ouçam é um verdadeiro milagre, é inclusão de verdade. “Por isso a música é a mais sagrada entre as artes”!

Que o trabalho do Theatro São Pedro e da Santa Marcelina Cultura seja valorizado e incentivado pelo novo governo, que tomará posse no ano que vem; que a ópera seja reconhecida como uma arte inclusiva, reflexiva, viva. E ao teatro, desejo que continue seguindo o exemplo do Compositor e se adaptando às adversidades, como tem feito tão bem.

Con la bella escenografía de Desirée Bastos, la habitación del hombre más rico de Viena es moderna. Un moderno luminoso, con poca decoración, iluminado, con ventanas y arañas esféricas, una puerta a cada lado y una tercera al fondo, circulación intensa y, en las paredes laterales, cuadros pertenecientes al arte pop. Los sirvientes de la residencia llevan iPads -incluido el antipático mayordomo (interpretado con excelencia por el actor Luiz Päetow), que se siente tan poderoso como su amo, sin darse cuenta de la precariedad de su poder. El vestuario contrasta la rígida figura del Compositor, vestido de negro de pies a cabeza, con el blanco del mayordomo y el colorido relajado y pop de la troupe de cómicos.

Compositor, Ariadne y Zerbinetta (no por casualidad, tres voces femeninas) forman el trío de intérpretes principales. En el prólogo, el Compositor domina, es su estado emocional el que dicta la música – el primer tema que toca la orquesta es suyo (de forma similar a lo que ocurría con Octavian, su predecesor, en Der Rosenkavalier); en la ópera, él desaparece – ¡helas! – y las otras dos cantantes se convierten en protagonistas. De las tres, el Compositor es el personaje más innovador y el que establece una mayor relación de empatía con el público, porque su drama es real – Ariadne (en la ópera) es más distante, casi un arquetipo de la mujer abandonada, y Zerbinetta tiene una vida interior, pero no un gran drama que impregne la obra.

A través de una interpretación sensible e inteligente, Luisa Francesconi logró especialmente crear esta empatía. Su línea llena de saltos, altibajos, cambios bruscos (a imagen del Compositor) es increíblemente difícil y, al igual que ocurrió con su personaje, la cantante también tuvo que lidiar con una situación adversa: en vísperas de salir a escena, contrajo Covid. Como no había doppione (que arroja una gran presión sobre los cantantes), el estreno, previsto inicialmente para el viernes 18 de noviembre, se aplazó al miércoles 23.

El viernes (25), día en que el prólogo fue interpretado de forma especialmente inspirada por todo el reparto, Francesconi brindó al público con expresividad y magníficos agudos; el domingo (27), sus pianos, ya limpios y seguros, fueron el plato fuerte. Ya he comentado que el personaje estaba muy bien construido escénicamente, y lo mismo ocurre con la parte vocal, incluso con ella todavía recuperándose del Covid. Retratando al joven compositor, adolescente, con poco tiempo para el estreno de su ópera y teniendo que afrontar un cambio, el papel tiene momentos de dulzura, de sueño, de amor genuino, de pasión y de rabia, que ella supo marcar muy bien en su canto, adaptando incluso el color de su voz a la situación. Poco después de un ataque de cólera al enterarse de que su ópera obtendría “un epílogo divertido”, el Compositor comienza a improvisar, con dulzura, de forma soñadora, una bella melodía que había creado. Mientras improvisa el texto de la melodía, el Compositor habla de sí mismo: “¡Oh, mi pobre corazón / y todas sus aspiraciones! Oh, chico, oh dios omnipotente”. Francesconi supo contrastar maravillosamente la cólera, con sus saltos, sus fortissimos, su colorido más metálico, con el lirismo de esta melodía introspectiva, que presentaba un rico legato y hermosos pianos.

En muchos momentos, el compositor dice estar desconectado del mundo. “¡No tengo nada en común con este mundo!”, exclama. ¿Cómo no recordar a Gustav Mahler, que en la década anterior, al poner música a Ich bin der Welt Abhanden Gekommen (Estoy perdido para el mundo), con texto del poeta Friedrich Rückert, habría exclamado “¡Ese soy yo!”? Y como Mahler, el Compositor encuentra, en Zerbinetta, su “Alma”.


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